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A INOVAÇÃO CHEGA À IDADE DA RAZÃO

artigo publicado na revista da ESPM.

 

“A INOVAÇÃO CHEGA À IDADE DA RAZÃO”,

O empreendedor é o agente do processo de destruição criativa.
É o impulso fundamental que aciona e mantém em marcha
o motor capitalista, constantemente criando novos produtos,
novos mercados e, implacavelmente, sobrepondo-se aos antigos
métodos menos eficientes e mais caros.

Joseph Alois Schumpeter (1883 - 1950)

INTRODUÇÃO

É útil mostrar aqui, antecipadamente, a linha de conteúdo que este texto defende, para que os leitores o recebam com a consciência de como a matéria se coloca em relação à sua opinião pessoal.

O  texto focaliza a inovação, e por isso toca no tema mudança, que está no âmago do problema. A primeira parte analisa as raízes do assunto e, ao longo da segunda e da terceira parte, comenta como a inovação deve ser procurada e utilizada como insumo da produção, como ferramenta da gestão e como fonte de diferenciais competitivos. Contudo, a procura deve obedecer ao bom senso de quem sabe que tudo em excesso é prejudicial, e este ponto para mim ganha importância ao vermos como a atual busca da inovação torna-se radical. Sugiro que uma corrida em direção ao novo, a qualquer preço e sem qualquer baliza, tem sido perigosa e tem acarretado problemas. Por isso, é preciso hoje cultivar uma nova ótica da inovação, que já prevalece entre muitos gestores modernos - a visão de que ela deve subordinar-se às práticas depuradas de um marketing socialmente responsável.

Ao falar dos ganhos advindo de uma inovação racional, filha de um marketing responsável,  sugiro que o que está acontecendo atualmente nos permite ter um olhar otimista para o futuro. Desde que todos nós defendamos o que chamo de idade da razão da inovação.

I – AS RAÍZES.

- Heráclito e a consciência da inovação e mudança.

Os budistas afirmam que a única coisa que não muda no mundo é que o mundo está sempre em mudança. Heráclito observou, chamando a atenção para essa renovação permanente de tudo: nunca me banho no mesmo rio, disse, afirmando que a água era sempre outra. Percebe-se que a cultura antiga já observava a perenidade e a importância da transformação, idéia que se vê em poesia de Lucrécio (ver quadro 1). As religiões também adotaram a visão da mudança na transitoriedade, lembrando-nos que somos feitos do pó e ao pó sempre voltamos. Mas os seus cultos, ao se tornarem adultos, cristalizavam os valores e tornavam-se extremamente conservadores, repudiando mudanças, valorizando tradições.

(quadro 1)

(1) O MUNDO É ETERNA MUDANÇA

Nada sozinho se mantém, mas tudo quando se junta flui.

Fragmentos se agrupam, e assim todas as coisas vingam,

até as percebermos e lhes darmos nomes. Aos poucos

as coisas se dissolvem, e de novo não as conhecemos.

Mundos vindos do átomo, surgindo lenta ou rapidamente,

é assim que vejo sóis. Vejo também sistemas construindo

suas formas. E certamente os sistemas e seus sóis

deverão lentamente retomar seu eterno curso. (Lucrécio)

 

Tradução de original no “Birth of the chaordic age”, Dee Hock:

No single thing abides, but all things flow.

Fragment to fragment clings: all things thus grow

Until we know and name them. By degrees

They melt and are no more the things we know.

Globed from the atoms, falling slow or swift

I see the suns, I see the systems lift

Their forms; and even the systems and their suns

Shall go back slowly to the eternal drift. (Lucretius)

 

Entretanto, assumindo uma visão histórica e ampla, nos parece que o homem nasce com o gene da curiosidade e da aventura – e por isso a experiência com o novo sempre atrai e fascina. A nossa curiosidade nata produz a inconformidade, germe da mudança, e é isso o que nos diz também a famosa metáfora usada pelos gregos, na qual um halo de luz representava o conhecimento, e a escuridão em volta, o não saber. Quanto mais expandimos nosso conhecimento (nosso círculo de luz) mais tomamos contato com o não saber (quanto mais sei, mais sei que me falta saber mais). O impulso do homem pela sua expansão no campo do conhecimento tem o motor da curiosidade, nossa maior mola motivadora do desenvolvimento.

Analisando essa idéia, escrevi nesta revista, um texto com o título “A Criatividade e a Aventura do Novo”. Aqui está um trecho (o texto completo está em www.predebon.com.br) que focaliza especificamente a motivação pela curiosidade, como um impulso do homem: 

“...Há também, o que talvez seja o fator principal, um tipo de impulso que carregamos quase como maldição, um sentimento misto de curiosidade e fome de conquista que é uma das características da espécie humana, talvez sua maior mola de desenvolvimento, e consiste na sua vontade irreprimível de viver a “aventura do novo”. O fascínio que o novo exerce está dentro da motivação aparentemente econômica de grandes empreendimentos humanos, como na época das explorações. O lucro seria o motivo da iniciativa só na superfície, pois no fundo o homem quer novas experiências. Nas expedições marítimas do século quinze, os financiadores assumiam seu risco pelo lucro, mas eles eram só alguns, enquanto os navegadores eram milhares, e apostavam sua pele fascinados pela vida incerta mas excitante do mar.

            Os fatos nos levam a afirmar que nascemos assim, curiosos e aventureiros, mas divididos, já que, por outro lado, somos também organizadores e fãs do conforto e da tranqüilidade da rotina. Os povos antigos viajaram pelo desconhecido, voltaram e o incorporavam. Assim foram os Vikings, fenícios, portugueses, fora os povos que emigraram, da África para o mundo, e depois da Ásia para as Américas. E depois ainda vieram os alargadores de fronteiras, como conquistadores, bandeirantes e pioneiros. Contudo, a saga do desbravar não era só vocação antiga, mas de todos nós hoje,que fazemos do turismo um dos negócios mais importantes da terra. A aventura do novo vem impressa em nossos genes”.

Depois da Revolução Industrial o “novo” passa a acumular poder.

Obedecendo o princípio da mudança permanente do mundo, dentro da evolução recente da sociedade aconteceu a chamada “Revolução industrial”, quando a economia abandonou o artesanato e passou para a produção de escala. Viabilizada pela inovação dentro da tecnologia, principalmente com os aperfeiçoamentos de Watt na máquina a vapor, a Revolução Industrial trouxe nova velocidade ao processo e acabou por criar o capitalismo atual. Este funciona como um sistema que se alimenta da massificação abrindo mercados, e os mercados consumidores, por natureza própria se otimizam estimulando o consumo.

O novo aparece como o agente número um desse estímulo, e o mercado nele se apóia  ideologicamente. Cria-se a idéia do moderno como sempre melhor e desejável: “Mas como, você ainda usa essa coisa antiquada (feia, ou perigosa, ou de mau gosto, etc)”. O casamento entre esse ideário e o interesse econômico da indústria dá certo, floresce e  e cria um processo auto-alimentador – que funciona até hoje, e que dá ao novo a aura de verdade maior.

A visão da renovação pelo consumo.

A tese da “destruição criativa”, colocada pelo famoso economista Schumpeter na primeira metade do século passado, exemplifica como a ciência econômica, com o pragmatismo que lhe dá origem, encampou a idéia do incentivo ao consumo como base do desenvolvimento dos negócios e, por decorrência, da economia toda. Valorizou-se o novo para se justificar a obsolescência como necessária, e a indústria passou a produzir coisas menos duráveis, e até rapidamente descartáveis.

A chamada roda do consumo começava assim a funcionar e o faz bem até hoje, pois a tecnologia, também se renovando rapidamente, justifica não procurarmos, por exemplo, uma máquina fotográfica para durar a vida toda, pois dali a alguns anos os modelos mais recentes certamente virão com características técnicas mais desejáveis.

A filosofia quantitativa, em lugar da qualitativa, também era uma desenvolvedora do mercado de trabalho - mais vendas, mais produção, mais empregos. E com esse mecanismo simples, nunca mais a roda do consumo parou, e apoiada por teóricos como Schumpeter, consolida-se a idéia de que o consumo, incentivado pela inovação, é um fator não só positivo como quase milagroso, que com o tempo nos proporcionaria qualidade máxima e custo mínimo.

2 – O DESENVOLVIMENTO DO PROCESSO

O sistema faz a cabeça da sociedade, do ”ser” para o “ter”.

O consumo foi colocado em um local de honra, e naturalmente buscou-se a justificativa para ele. Existe um vetor racionalizante nos processos sociais; assim, os valores que a sociedade adota, por qualquer circunstância, tendem a ganhar uma defesa ideológica para se institucionalizarem. Dessa forma a economia do consumo passou a criar seus heróis e mitos, quase sempre na figura de milionários, admirados e devidamente promovidos. E a defesa desse modelo facilmente se baseia em argumentos hedonísticos, que propagam o aproveitamento máximo, “já que a vida é curta”. O ideal de ser uma pessoa importante, não mais repousa nas suas qualidades, mas nas suas posses. A sociedade, de forma natural, passa a cultivar o “ter”, forma máxima de “ser alguém”.

A sociedade nos necessita articulados.

A economia de mercado, espinha dorsal do capitalismo, tem uma dinâmica natural de procura de otimização. Por isso criou técnicas de comercialização que melhor viabilizassem a produção em massa, e isso pode-se considerar que tenha sido a raiz do marketing atual.

Era preciso criar um grande público consumidor, e os argumentos dos vendedores foram levados para veículos que podiam multiplicar sua disseminação. Jornais, e cartazes foram os primeiros, depois o rádio, em um processo que se iniciou no fim do século XIX e se acelerou no início do século XX, principalmente nos Estados Unidos.

Inicialmente os argumentos eram racionais. “Compre este produtos por esta razão objetiva” era o discurso básico, algo mais ou menos como “dois e dois são quatro”. Pouco a pouco o foco foi ampliado para o campo não racional “Nove entre dez estrelas preferem este sabonete”.

Nessa etapa descobriu-se o rendimento do argumento “este produto é novo”. Inicialmente ainda racional, pois havia um processo constante de aperfeiçoamento. Contudo, a natural vaidade humana que também se expressa em possuir coisas originais e melhores, foi provocando a apuração da técnica de explorar o “status” proporcionado pela posse de novidades.

O processo de mobilização do consumo pelos apelos emocionais foi descoberto pelo marketing e propaganda, que o utilizou largamente, e até com excessos, o que despertou algum incômodo na sociedade, que reclamou, como o fez o livro “Hidden Persuaders”, de Vance Packard. Mas a articulação entre consumo/economia/bem-estar prevaleceu, e como a sociedade viu-se aperfeiçoada, as reações acabaram minimizadas.

Nesse estágio, a venda do “novo” criou um tipo de apelo: “mude para este produto”, enfatizando a vantagem da mudança, focalizada como um ato de aperfeiçoamento. Nesse estágio Hollywood foi importante para cristalizar o ideário da pessoa moderna, atualizada, e para isso, claro, mutante. Os heróis do público o emulavam e estimulavam. A roda do consumo passou a funcionar ainda melhor.

Surgem os teóricos da inovação

Os empresários, que na idade média eram considerados uma casta secundária, a dos negociantes, assumiram aos poucos uma vanguarda na sociedade, e tornaram-se bem vistos, tão ou mais importantes que os intelectuais, nas mensagens da mídia para a massa consumidora. Na década de 50, no início da era do culto às celebridades, numa comparação que escandalizou a muitos, matéria da Revista Esquire chegou a dizer que um Rockfeller valia mais que um Steinbeck.

Os intelectuais, nesse contexto, foram levados a observar melhor a atividade dos empresários e a estudar e explicar o sucesso da sociedade de consumo. Tornaram-se os teóricos do marketing uma nova disciplina que tratava de otimizar as técnicas de produção e comercialização, e que podia explicar sucessos e fracassos com objetividade racional. A técnica do marketing torna-se verdadeira ciência, e colabora para o aperfeiçoamento social principalmente pela renovação de produtos e processos por outros aperfeiçoados. Dessa forma, o marketing é o verdadeiro pai da inovação.

Contudo, notava-se no discurso de muitos daqueles teóricos um condimento de guerra-é-guerra, que naquela fase dava o tom quase geral da competitividade. Mas alguns, como Peter Drucker, demonstravam a lucidez para não justificar um vale tudo do sistema, coisa que é exemplificada quando ele criticou acidamente o combate ao prejuízo da Chrysler a custa de vinte mil empregos. Ele previa o problema que nascia com a prioridade exagerada do lucro.

No cômputo geral, foram aqueles teóricos do marketing que acabaram criando suas leis e verdades, compondo uma verdadeira bíblia de boa administração com o objetivo de otimizar produção e vendas, e que mais recentemente descobriram a atual força da inovação. Constituíram-se em verdadeiros profetas, mas alguns, diferentemente de outros como Peter Drucker, pregavam um culto exagerado do consumo.

Inovação e mudança ganham defensores

A par de seu papel no consumo, a inovação também floresceu por sua positiva carga de realização  pela defesa da mudança. Uma larga corrente de psicólogos, autores de livros de auto ajuda, desde os consagradamente úteis como o “Auto Estima” de Nathaniel Branden, até os mais banais e inúteis como existem às dezenas, todos pregavam a aceitação da mudança.

A mudança, de acordo com essa sua defesa, era o movimento, a vida, e a “não mudança” seria a estagnação, que em última análise significa inanição, morte. Por que reagir ao novo? Aquela nossa tendência de valorizar a rotina passou a ser vista como suspeita.

Revendo um texto que eu mesmo redigi e passei para meus alunos da disciplina de Inovação e Criatividade, (ver quadro 2) percebo como todos nós (“mea culpa”) ficamos enredados no ideário do “novo sempre positivo”, e em maior ou menor grau, acabamos defendendo demais o culto da inovação.   

(quadro 2)

“INOVAÇÃO CONTRA O VENTO FAZ BEM.  “Absurdo!” - Essa é a reação comum às novidades que agridem o status quo. Ela explode apesar de já existir no íntimo, até da pessoa mais conservadora, a expectativa de que coisas novas sempre vão aparecer. Quase todo mundo aprendeu a aceitar a mudança linear, aquela quase previsível, pois é decorrente dos ganhos da ciência e tecnologia, e mais dia, menos dia, elas surgem em nosso contexto. Diremos que os fatos contidos nessa dinâmica parecem obedecer a lógica das correntes, ou dos ventos.

Mas, de repente, surge aquilo que parece um absurdo incrível, e que vem como uma reviravolta total, pois não obedece à direção do vento nem à lógica alguma. Penso que esse tipo de mudança, mais assustador e desconfortável do que a média, é a mudança contra o vento, e vemos defender aqui que faz bem à nossa saúde aceitá-la também, da mesma forma que aceitamos as chamadas “novidades” da inovação linear.

Cabe primeiro perguntarmos por que surge essa inovação não linear, classificada como “disruptiva” por Christensen em seu antológico livro The Innovators Dilemma. Ele não tenta explicar, mas nos surge também a pergunta - por que ela não segue a tendência do desenvolvimento considerado até natural? Existirá algum fator que, desconhecido, provoque a reação contrária? E, finalmente, esse nosso pé para trás tem algum sentido positivo?

Para explorar essas questões, e nos sentirmos talvez mais à vontade na análise desse tipo de “inovação violenta”, vamos começar lembrando que as tendências, ao se confirmar, tornam-se padrões. Estes, base dos paradigmas, têm sua função útil de nos fornecer trilhos facilitadores, que evitam ficarmos constantemente “reinventando a roda”.

Mas, aqui vem o X da questão, que justifica até este texto e o tempo investido de quem o lê – perdemos muito com a obediência cega aos padrões! Não podemos correr o risco de nos escravizarmos à lógica do desenvolvimento exclusivamente previsto e aceito. Isso nos amarraria, nos traria, no mínimo, atraso e perda de competitividade.

Frequentemente a inovação inesperada, no campo empresarial, propicia ganhos enormes, ainda que cobre o preço de riscos maiores de fracasso. E$xatamente por isso vemos que as grandes organizações, impossibilitadas de assumir riscos devido ao seu tamanho, ultimamente, como confessou a Procter, dedicam-se a procurar e adquirir as inovações criadas pelos pequenos, que normalmente assumem riscos.

Daí, uma lição para nosso âmbito pessoal: não nos faz bem recusar o novo, simplesmente porque nos parece estranhamente diferente. Se ele tocar simpaticamente nossa intuição, vale a pena apostar. Só assim seremos os inovadores que se beneficiam mais com a imprevisibilidade do mundo. São os que não seguem apenas a direção do vento mais forte”.

3 - OS GESTORES REVÊEM A INOVAÇÃO

Penso que estamos, dentro daquele processo de mudança permanente do mundo, vendo o limiar de uma nova etapa, em que a sociedade se vê obrigada, por tudo o que a cerca, a rever-se inteiramente. Desde o meio ambiente até o contrato social, tudo parece nos encurralar, e obriga a procura de novas soluções, pois os problemas estão se tornando inadiáveis. “Sempre é possível piorar um pouco”, dizem os pessimistas contemporizadores, quando os pessimistas catastróficos afirmam que já chegamos ao fundo do poço.

Em 2000, Dee Hock, que fora o executivo número um do Visa durante dezessete anos, abandona sua aposentadoria e ao assumir a direção de uma organização não lucrativa, publica “O Nascimento da Era Caórdica”. Assim como vi o “Quinta Disciplina”, de Peter Senge, em 1992 catalisar e enfeixar informações existentes sobre gestão, vi nesse livro de Hock o delineamento de uma nova solução para harmonizar o marketing, o consumo e a inovação com uma nova realidade de mundo. Resumindo muito, ali se defende que a atividade econômica não seja predadora do homem nem do planeta. Poluição, desemprego e outros problemas modernos seriam equacionados e resolvidos ao prevalecer uma nova mentalidade mais comunitária.

A solução de Dee Hock não é utópica como a de Domenico de Masi, que defende a lógica simplista de transformar o tempo ganho com a produtividade em um ócio compartilhado. Por essa teoria, ao reduzir progressivamente a semana de trabalho, desapareceria o desemprego e a humanidade seria feliz. Dee Hock prega uma consciência de que não podemos continuar atacando o meio ambiente e desprezando os problemas humanos atuais, para beneficiar o capital investidor. É uma lógica irretorquível, que talvez esteja começando a minar a mentalidade do “tudo por dinheiro”. Percebe-se isso ao observar o que está se tornando o discurso politicamente correto.

 Vemos assim que a corrida da competitividade baseada no consumo e na inovação começa a ser revista. Os movimentos de Responsabilidade Social são exemplos disso. Ações globais para enfrentar o problema do aquecimento da terra estão na ordem do dia. O clima do planeta reage à predação desenfreada, e não por acaso o conceito de sustentabilidade é cada vez mais discutido.

Os dirigentes de todo tipo de organização vêem-se hoje instados a seguir princípios que Edgar Morin defendeu, a pedido da Unesco, no seu emblemático livro “Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro”. Entre esses saberes, estão os de exercer a condição humana e a identidade terrena, coisas que Dee Hock tentou colocar em prática na sua criação e gestão do cartão Visa, a maior organização mundial do gênero. Afirma ele que o controle acabou lhe fugindo das mãos, e Visa se tornou uma empresa como as outras, o que o fez aposentar-se, e dedicar-se amargamente a arar terras desertificadas, que comprara, para que a natureza as retomasse.

Mas os desígnios da inovação também agem depurativamente, pois ele tornou-se peça central de um movimento extremamente renovador. Hock foi atraído e mobilizado por um grupo de idealistas que o levou a fundar e dirigir a Aliança Caórdica, a mais rica organização do terceiro setor nos Estados Unidos. O sucesso financeiro da iniciativa é sintomático, pois revela como está acontecendo uma mudança de consciência entre os gestores do sistema.

Aqui em nosso país vemos muitos casos de inovação abrirem perspectivas novas de soluções dos problemas nascidos da mentalidade guerra-é-guerra. Inovação, por exemplo, levada pelo SEBRAE para otimizar a atividade econômica dos pequenos empresários. Outro exemplo importante é o do Instituto Endeavor, espécie de incubadora de iniciativas produtivas.

Talvez tenhamos chegado, finalmente, à idade da razão quanto ao nosso sistema, após um longo caminho de acertos suplantados por erros. O balanço que surge na atualidade, mostra que os erros não mais estão sendo absorvidos, e a inovação que sempre teve um papel importante nas conquistas da humanidade, passou a apresentar um seu lado perigoso de se colocar a serviço de um sistema imperfeito demais. Surgem alertas, preconizando o uso da inovação para a solução de problemas que o seu abuso criou. Sobre isso alegro-me de já ter dado, também para meus alunos, um toque conscientizador, na forma de um texto (ver quadro 3) em que defendo limites para a inovação.

(Quadro 3)

“INOVAÇÃO TEM LIMITE. Segurem-se os tímidos, respirem fundo para não tremer, que as mudanças de hoje estão abalando alicerces. Combustível do desenvolvimento em todos os campos, as conquistas da ciência e os ganhos da tecnologia têm hoje ritmo até assustador. Por isso andam afirmando que a inovação é o nome do jogo, é a última moda mas veio para ficar, é um processo obrigatório, e quem recusar ou recuar está frito. Mentira, as coisas sempre têm limite, tudo em excesso é ruim, até água. Inovação também. Tanto no âmbito pessoal, como no das organizações, existem claros níveis acima dos quais a inovação passa a ser contraproducente. Continuo afirmando, como o fiz até o presente, que inovar é preciso, que o mundo não pára de mudar, e que precisamos, pessoas ou empresas, estar sintonizadas com a realidade atual. Mas vamos agora focalizar o que defendemos ser o limite dessa dinâmica.

No âmbito pessoal temos primeiro de levar em conta o desconforto da mudança, pois nada como aproveitar a experiência, que gera rotinas serenas e seguras. A rigor, confortável só é a mudança das fraldas sujas, para deixar o nenê feliz. Porém o desconforto da mudança desaparece quando nos acostumamos a ela, como no caso do sapato novo que logo fica tão bom quanto o velho. Mas a questão maior vem com as mudanças do mundo que põem em cheque nossos valores. Aí, sim, a mudança é problema difícil, com a encruzilhada de duas alternativas ruins; de um lado a renúncia com desapego, e do outro o desajuste e suas seqüelas. Disso nascem os limites da inovação pessoal. Precisamos ser menos egocêntricos, mas nunca podemos nos desapegar de nossas crenças e princípios, que compõem os valores com os quais aprendemos a viver. Tentar abandoná-los é complicar nossa essência. Mas se o entorno vê nossa posição como “antiquada”, “fora de própósito”? Ai chega o momento de negociarmos, partindo do princípio que não existe apenas uma verdade, e que podemos (e devemos) admitir a diversidade de pontos de vista. Negociar uma adaptação é como assinar um tratado de convivência. No âmbito da família, o amor é o avalista desse acordo, e todos podem “ficar na sua”. Foi-se o tempo da autoridade absoluta, controladora e punitiva. Convivencialidade começa em casa. Sim, é bom ficar aberto a mudanças, mas nunca a custa de anular nossa consciência. O mote não é inovação, é felicidade.

E no campo das empresas? Aí inovação e mudança têm dois aspectos básicos, ambos relevantes: questão um, a ética, questão dois, a complexidade. Ambas compõem o limite da inovação viável e produtiva em qualquer atividade profissional.

A ética precisa estar contida na missão da empresa, que a par de obter lucros, deve respeitar o homem e o planeta, sociedade e meio ambiente. Com isso na cultura e na política da gestão, o resto é detalhe, e toda a questão da inovação ganha parâmetros naturais - o que a organização deve  fazer, em cada situação, ficará sempre claro.

Vejamos agora o limite imposto pela complexidade à inovação organizacional. Partamos de um exemplo, a de uma rede de fast food da California que resolveu simplificar o seu cardápio inovador que se tornara  extenso demais e acarretava uma operação complicada, pouco produtiva. Eliminaram os itens menos procurados pelos clientes, e ficaram com  apenas meia dúzia de escolhas, mas daí com qualidade, eficiência e custos tão melhores, que todo o resto foi compensado. Caiu o ônus de uma operação complexa, dentro da qual a “inovação permanente” reinava. Simplicidade foi a solução. Claro que esse exemplo não pode ser generalizado, pois cada setor tem suas peculiaridades, e princípios de competitividade naturalmente se sobrepõem aos de operação mais fácil - o que esta valerá, se não produzir vendas?

Sugiro, como conclusão, que o limite da inovação, tanto no campo pessoal como no empresarial, seja imposto pela inteligência, que se alimentará com informações captadas por olhos não ofuscados pelo brilho da última moda. Inovar, sim, mas nunca a qualquer preço, jamais apenas para parecer moderno.”

A idade da razão no campo da inovação se caracteriza também pela nova posição da mídia, com exemplos em reportagens e artigos, trazendo novas orientações, e que invariavelmente aparecem em todas as edições de revistas de gestão e de negócios, como a Harvard Business Review e a Business Week, além de outras.

São estudos como, para citar o exemplo de um dos mais importantes, “Innovation vs Complexity”, publicado na HBR de novembro passado, sobre os problemas advindos do emprego da inovação permanente frente à complexidade da sua administração. Lendo-o, vemos que a complexidade, fenômeno que também foi pioneiramente estudado por Edgar Morin, parece ter feito chegar o que poderia ser considerada “a hora da verdade”, na qual nenhum conceito mais é sagrado, e tudo, até a própria mudança, precisa ser revisto à luz da realidade que nos cerca.  

Após a era das mudanças endeusadas, a vida inteligente virá também através de uma mudança

Os novos rumos que o marketing começa a tomar, aperfeiçoando-se por meio de ajustes ao interesse maior da sociedade, é razão para um olhar otimista no futuro.  Três rápidos exemplos desses ajustes: as exigências das empresas para que seus fornecedores obedeçam a práticas sadias nas relações de trabalho; o valor maior que os veículos ganham ao aumentar seu percentual de partes recicláveis; a criação de fundos de investimento voltados especificamente para empresas socialmente responsáveis.

Vemos hoje assim que, em ritmo crescente, agora as atividades econômicas passam a preocupar-se com a sustentabilidade ambiental e com a relação do homem com o seu trabalho. Esse parece ser o início de um tipo de macro-mudança, tornando superados e até caricatos alguns aspectos ruins da realidade atual, já fartamente denunciados. Não se vê mais sentido em transformar executivos em workaholicos, como também não faz sentido aperfeiçoar a produção a custa da eliminação do emprego de contingentes que, a rigor, desempregados, ficam impossibilitados de consumir.

Tudo isso que o olhar otimista espera que aconteça, será também produto da inovação, que com sua ação depurativa, irá redimir o seu uso exagerado. Isso será produto do que pode ser chamado de macro-mudança. Esperamos poder vê-la em breve.

”Quem, ao percorrer um caminho conhecido, descobre um novo caminho, pode considerar-se sábio”.  Confúcio
 
         
jose@predebon.com.br