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A  CRIATIVIDADE E  A  AVENTURA  DO  NOVO.

 José Predebon

   Os profissionais envolvidos com o estudo da criatividade costumam distinguir essa competência humana, quando aplicada ao trabalho, da criatividade artística, que é vista como um dom quase divino. Isso vem de longe, pois em 1964 o livro The Act of Creation, de Arthur Koestler, que inaugurou o moderno estudo da criatividade, já esboçava essa distinção.

            A partir da amplamente aceita separação, psicólogos e professores sempre identificaram duas vertentes motivadoras da criatividade não artística, que seriam, por um lado, a solução de problemas, e por outro, a descoberta de oportunidades.

            Trabalhando com criatividade desde antes de 1964, na verdade a vida inteira, ultimamente passei a sugerir que é possível definir-se uma terceira via motivadora, aqui chamada de “aventura do novo”. Se a considerarmos uma vertente válida, ela poderá explicar alguns detalhes de nosso comportamento, além de permitir que se estudem os mecanismos criativos do ser humano sem a necessidade de separar o campo das artes dos demais - pois as sinapses do cérebro do artista, que o levam a criar, são as mesmas sinapses do cientista a formular hipóteses, do vendedor buscando argumentos e da cozinheira aproveitando as sobras para um novo prato. Estudando e entendendo essa pretendida terceira via motivadora, poderemos cultivá-la, e assim exercer melhor o nosso potencial criativo.

O QUE É A AVENTURA DO NOVO E DE ONDE VEM.

Tudo o que pode definir a aventura do novo vem de uma atração que nossa espécie carrega quase como compulsão, um sentimento forte e inato, misto de curiosidade e fome de conquistas, um impulso peculiar do homem. Trata-se de uma das maiores molas do desenvolvimento em geral, e defendo aqui que seja também a terceira das forças específicas que nos mobilizam para o uso do raciocínio criativo, aquele que se usa muito para inovar, tanto nas artes, como na ciência e tecnologia, como na gestão e no marketing.

O registro dessa característica humana vem da antigüidade, pois podemos identificar a raiz da aventura do novo dentro da interessante metáfora criada pelos gregos sobre a expansão do conhecimento. Segundo os pre-socráticos, se imaginarmos o saber como um círculo de luz, e o “não saber” como a escuridão em volta, verificamos que, quanto mais sabemos, mais nossa área luminosa se expande, porém passa a ter também um crescente contato, em seus limites, com o que não sabemos. Portanto, quanto mais aprendemos, mais verificamos quanto somos limitados, ao vislumbrar como é intangível o universo do novo. Entretanto, mesmo assim, somos empurrados de tal forma para esse novo, que hoje já existe até uma neurose causada pela preocupação com a impossibilidade de acompanhar o que acontece.

Identificada pelos terapeutas do primeiro mundo, essa patologia vinda da expansão da informação é tratada com uma receita de comedimento, tipo ver apenas uma hora de tevê e ler um jornal por dia, uma revista por semana e um livro por mês. Dessa prática viria o alívio de sentir-se sem culpa, ainda que não acompanhando tudo, mas por ter feito a coisa certa dentro do possível. Uma forma de lidar com aquela compulsão

O PRAZER DO NOVO.

            Mas, onde estará o porquê dessa compulsão, hoje causadora de um decorrente sofrimento? A resposta deve estar em contida em uma frase de Erich Fromn, pensador da geração passada, que disse: “O homem, quando cria, encontra a si, encontra o mundo, encontra a Deus’. Evidentemente ele se referia ao ato de criar em todos os sentidos, inclusive o que vem motivado pela aventura do novo. Somos criativos, assim, primeiro porque exercemos essa nossa capacidade para sobreviver, resolvendo problemas. Depois para ganhar mais lucros e/ou poder, aproveitando oportunidades. E, finalmente, para nos sentirmos realizados, acrescentando algo de nós ao mundo, que pode ser a obra artística, inédita, ou o novo conhecimento científico/tecnológico, ou ainda, o novo produto de consumo. É isso que nos leva a viver a aventura do novo.

            Sob este ângulo, não seria apenas a imensidão de informações que constitui a origem do estresse que ataca hoje quem quer manter-se atualizado. Deve existir também, o que talvez seja o fator maior, aquele impulso peculiar ao homem, que carregamos quase como maldição, a atração pelo que não se conhecia antes, o novo. Mas é hora de questionar, e perguntamo-nos: até onde esse fenômeno é geral?

HÁ TAMBÉM O SOFRIMENTO DO NOVO.

Quando se analisa o impulso e o comportamento compreendidos pela aqui chamada aventura do novo, cria-se uma tendência de elaborar um juízo de valor, considerando “errada” ou, pior, “anormal”, a pessoa que parece fugir àquela atração tão modernamente cultivada em nossa sociedade, bastante dedicada à inovação. É um ramo da psicologia, desenvolvido nesta geração, a “Human Dynamics”, que nos chamará à realidade vinda da diversidade humana. Ela defende existir uma porcentagem de indivíduos absolutamente normais, no ocidente, que não tem facilidades com as coisas novas.

Após uma extensa pesquisa de quase duas décadas, os profissionais envolvidos nesse estudo atitudinal e comportamental chegaram à conclusão que cerca de 20% é o grupo de pessoas na condição das que sofrem, em graus diversos, para aceitar ou se acostumar com as mudanças. Mesmo ponderando que a medo de mudanças não deverá eliminar a curiosidade humana, a conclusão da pesquisa não invalida a importância de se estudar a chamada aventura do novo, válida para os 80%. Para quem se interessa particularmente por esse aspecto do fenômeno, antes de procurar a literatura específica, reproduzo no quadro 1 trecho extraído de uma breve explicação da Human Dynamics, incluída no livro “Criatividade Abrindo o Lado Inovador da Mente”, de minha autoria.

COMO A AVENTURA ATRAI.

            O fascínio que o novo exerce está dentro da motivação aparentemente econômica de grandes empreendimentos humanos, como na época das explorações. O lucro seria o motivo da iniciativa só na superfície, pois no fundo o homem quer novas experiências. Nas expedições marítimas do século quinze, os financiadores assumiam seu risco pelo lucro, mas eles eram só alguns, enquanto os navegadores eram milhares, e apostavam sua pele fascinados pela vida incerta mas excitante do mar.

            Os fatos nos levam a afirmar que nascemos assim, curiosos e aventureiros, mas divididos, já que, por outro lado, somos também organizadores e fãs do conforto e da tranqüilidade da rotina. Os povos antigos viajaram pelo desconhecido, voltaram e o incorporavam. Assim foram os Wikings, fenícios, portugueses, fora os povos primitivos que emigraram, da África para o mundo, e depois da Ásia para as Américas. Depois ainda vieram os alargadores de fronteiras, como conquistadores, bandeirantes e pioneiros. Contudo, a saga do desbravar não era só vocação antiga, mas de todos nós hoje, que continuamos viajando, e fazemos do turismo um dos negócios mais importantes da terra.

Mas não é só a multiplicação atual das viagens que se pode trazer para exemplo de como a aventura do novo emoldura a vida moderna. Há também a fome de novidades e notícias. Basta parar hoje em frente a uma banca de jornais e observar centenas de publicações disponíveis, com a esmagadora maioria focalizando o novo, na forma de notícias e novidades nos mais diversos campos, para saciar a curiosidade que vem impressa em nossos genes.

VALE A PENA?

            Concluindo, aproveitar a aventura do novo seria exercer a nossa dualidade (aventuras X rotinas) para vivermos mais criativamente, enfrentando e alargando as fronteiras do não-saber, da forma que nos for possível. Parece ser atrativo, restando perguntar: qual seria a forma inteligente de seguir esse impulso no dia a dia, ou, mais especificamente, frente àquela neurose do “não consigo me atualizar”? Cada um de nós deve procurar sua fórmula, já que a complexidade eliminou as soluções padronizadas. Nenhuma receita baseada no que deu certo hoje, pode estar garantida no amanhã, quando as variáveis terão mudado o mundo.

        
Eu e alguns alunos, discutindo o problema, chegamos a uma “quase-receita” que nos pareceu adequada para usar hoje em dia, e que venho cultivando. É ficar atento às grandes tendências dos diversos campos do conhecimento, mas só tentar acompanhar de perto os fatos e a dinâmica de um campo pequeno, que seria o de nossa atividade profissional e, talvez, o de nossa preferência pessoal. Dá certo se nos sentirmos como os pacientes daqueles terapeutas do primeiro mundo, fazendo sabiamente o que é possível, e assim tranqüilizados, dirigindo nossas energias para viver criativamente, também com a deliciosa aventura do novo.

(texto publicado na Revista da ESPM)
         
jose@predebon.com.br