NADA SE DEVE

 

Aos que passam pela estrada

acenando reconhecidos

por encontrar a via aberta

ou pelo direito de nela andar

a eles que se alegram com gratidão

é preciso dizer do engano

que faz da liberdade um prêmio

e uma dádiva a participação.

 

Nada a agradecer no mundo

onde nada realmente se dá

já que toda posse é transitória

e tudo são mutações

de instantes e circunstâncias.

 

Nada a pensar de nós

agradecidos ou ingratos

além que seres integrados

ao seu próprio contexto

gravitando à luz do arbítrio

como matéria que vibra

em sucessão de estados

metabolizando-se

transformando-se

reproduzindo-se.

 

Seres depositários de poucos

mas particulares legados

de um equilíbrio maior

soma dos desequilíbrios todos

síntese das energias todas.

 

Seres somos apesar de sermos

assim um tanto divinos

meros defensores de julgamentos

que elegemos absolutos.

Seres somos guardiães de tesouros

que nos acabam possuindo.

Seres domos difusores de idéias

Às quais nos rendemos.

 

Porém quando vem e se vem

por comoção ou reflexão

enfim um dia de lucidez

os valores revisados

coitados

mostram-se despidos

absolutamente relativos.

 

Chega então a conclusão

de que de nós independem

todas as verdades nunca eternas

todas as palavras nunca finais.
Que nada é mais nosso

que da nossa paisagem.

Que nem ela nem nada tem

haveres definitivos.

 

E se tudo é assim mesmo

nada a agradecer por nos ocuparmos

no que podemos ser e viver.

Amemos o que amamos

seguindo logicamente

nossas quedas ilógicas.

 

Ao nos tornarmos autênticos

preencheremos nosso lugar.

E sem ter por que ser gratos

havemos de ser melhores.